segunda-feira, 24 de junho de 2013

salvador

deposito grande atenção ao que me escapa. meu pensamento, cheio, longe de mim e depois repleto do acontecimento presente. salvador é quente, salva porque perde, abafa, queima. monumentos ruína, ruas-abismo-serpentes e as grandes águas onde trafegam barcos, todos os santos, poderosos orixás e meus olhos que nadam. nadadora sem trajes banho, mergulho com os olhos abertos, corpo todo olho, imersa, sem ar, depois insone dentro da noite escura, onde pipocam os foguetes e os muitos estalidos de são joão.

queimo minha língua em seus temperos, seus licores de frutas do norte, queimo minha pele no seu implacável sol. salvador recende à história, emana silenciosa doutrina que aponta para a felicidade-negra-guerreira. zumbi espreita bispo sardinha na praça da sé. sou embalada pela percussão dos surdos, pelo peso da minha própria voz, pelo forró que danço quieta, com as mãos e a língua, lidando com os limites dos meus ossos. e tudo tem gosto de fome, corpos famintos que pedem comida, dinheiro, voz, atenção. e minha grande fome vai junto escapando pelos poros, nos sonhos, nas mãos que afastam e acolhem, entrelaçando a profunda recusa com o grande sim.

visito faróis, monastérios, tabernas. faço minhas silenciosas preces diante de uma parede nua. quero ir ao interior, mas, de algum modo, a euforia das festas me repele. decido seguir ao norte. rumo ao recife, atracadouro de sonhos, cenário-palavra de avalovara, com desejo de maracatu, acaso, alegrias simples e sustos misteriosos. agora vou chegando na véspera do meu destino. carregando o próprio destino como fábula, fazendo do corpo instrumento para a vida que se desenrola em invenção. o corpo se forja no peso, nos sustos, nos confortos provisórios, desmaia e reluz.

estou calçando os instantes como sapatos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário